Por que a Bolívia afastou o socialismo, mas a Venezuela não?
O opositor Edmundo González venceu as eleições do ano passado, mas o ditador Nicolás Maduro continua no poder

O partido Movimento ao Socialismo (MAS), criado e comandado por Evo Morales (na foto, com Maduro) ao longo de 20 anos, não terá nenhuma cadeira na Câmara dos Deputados, nem no Senado da Bolívia.
O candidato a presidente do MAS, Eduardo del Castillo, teve somente 3,2% dos votos.
O segundo turno será entre dois nomes da oposição: Rodrigo Paz e Jorge Tuto Quiroga.
Os bolivianos, assim, têm tudo para virar a página do socialismo, uma façanha da qual os venezuelanos não foram capazes.
Em julho do ano passado, o candidato da oposição Edmundo González venceu o pleito, mas não levou.
O ditador Nicolás Maduro declarou vitória em uma fraude eleitoral, e iniciou uma campanha de medo, prendendo e torturando todos os que protestavam contra seu autoritarismo.
Os caminhos diferentes dos dois países se explicam por uma série de fatores.
Petróleo
A Venezuela produz petróleo e, mesmo com a produção declinante, os recursos obtidos são suficentes para sustentar uma elite política e militar, que conta com apoio de inteligência cubano e submete o restante da população.
“Em ditaduras, o líder só precisa pagar bem algumas centenas de pessoas, aquelas das quais ele precisa do apoio. Mesmo uma economia miseravelmente pobre tem dinheiro para pagar esse pequeno grupo”, disse a Crusoé Bruce Bueno de Mesquita, cientista politico da Universidade de Nova York e autor do livro O Guia de Bolso do Ditador (em tradução livre).
Além disso, todas as outras atividades produtivas foram destruídas pelas políticas estatizantes de Hugo Chávez e Nicolás Maduro, de modo que a Venezuela hoje só tem uma elite.
A Bolívia, por sua vez, exporta gás natural, mas os dividendos foram sumindo, pois não houve exploração em novos poços e a demanda internacional diminuiu.
Nesse período de duas décadas, outras elites conseguiram subsistir na Bolívia, principalmente no setor agropecuário. Isso preservou a competição política, que hoje pode oferecer alternativas ao poder autoritário.
Crime organizado
Chávez e Maduro permitiram que oganizações criminosas da Colômbia, como as Farc e o ELN, entrassem e tomassem porções do território venezuelano.
Maduro e Diosdado Cabello também integram o Cartel de los Soles, que exporta cocaína colombiana para os Estados Unidos e para a Europa.
Este ano, os americanos ofereceram recompensas de até 50 milhões de dólares para quem fornecer informações sobre os dois.
O poder político em Caracas, assim, está totalmente envolvido com o narcotráfico.
Na Bolívia, Evo Morales segue como presidente das Seis Federações de Cocaleros do Chapare, região que exporta ao Brasil a pasta-base do crack e da cocaína.
O Primeiro Comando da Capital, PCC, está presente no país.
Mas os narcotraficantes bolivianos têm demonstrado menos ambição política.
Como o PCC no Brasil, eles preferem manter a discrição, desde que o negócio principal — o narcotráfico — continue funcionando.
Instituições
As instituições bolivianas conseguiram se manter aos trancos e barrancos, algo que na Venezuela não foi possível.
Chávez e Maduro dominaram totalmente o Congresso, o Judiciário e as Forças Armadas, transformando o país em uma ditadura.
Isso não ocorreu na Bolívia, que preservou suas instituições. "As democracias, inclusive as latino-americanas, continuam imperfeitas. Mas sua resiliência repousa em uma arquitetura institucional que combina governabilidade com limites claros ao poder presidencial", escreveu Carlos Pereira, professor da Fundação Getúlio Vargas, em artigo no Estadão.
Com isso, a Bolívia fez a mudança que os venezuelanos tanto sonham.
Evo Morales continuará dando trabalho, organizando os cocaleros armados e provocando o caos.
Mas, se os bolivianos tiverem a sorte de eleger um bom governante no segundo turno, o país terá uma chance real de enterrar o modelo socialista e autoritário de Evo Morales.
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