China ocupa lugar dos EUA na ajuda internacional
O esvaziamento da USAID foi um tiro no pé que está entregando de bandeja importantes espaços para a China exercer seu soft power

Desde que Donald Trump assinou a ordem executiva 14169, impondo uma paralisação de 90 dias à maior parte da ajuda externa dos EUA, criou-se uma oportunidade geopolítica já que, como sabemos, não existe vácuo de poder, e a China começou rapidamente a ocupar esse lugar.
O governo americano suspendeu financiamentos para programas de desenvolvimento e ação humanitária, além de cortar drasticamente os quadros da USAID, o que deixou muitos países parceiros sem interlocução ou suporte.
A USAID era a maior agência de ajuda externa e humanitária do mundo. Em 2024, a USAID gerenciou quase 50 bilhões de dólares em ajuda a outros países e humanitária, representando mais de 40% do total mundial de ajuda oficial ao desenvolvimento (APD), segundo relatórios da OCDE.
Vendo esse vacilo do rival, Pequim aproveitou para ampliar sua presença diplomática, converter projetos pendentes em concessões e a se apresentar como alternativa aos Estados Unidos.
Na arena multilateral, a China também aproveitou para intensificar a sua atuação na ONU e em agências como a OMS, a UIT e junto a programas de desenvolvimento, todos criticados por Trump.
Em Genebra, durante a reforma institucional conhecida como UN80, diplomatas relataram forte mobilização chinesa para ocupar espaços de decisão e influenciar coalizões entre países do dito Sul Global, segundo o portal suíço Swissinfo.
Por meio do apoio financeiro e contratação de pessoal técnico, o país reforça seu capital diplomático e tenta redefinir discursos sobre desenvolvimento e soberania.
Ao nível bilateral, há casos emblemáticos dessa estratégia chinesa. No Camboja, Pequim concedeu 4,4 milhões de dólares para a limpeza de minas terrestres, substituindo os 10 milhões de dólares que a administração Trump havia cortado.
Em Mianmar, que sofreu terremotos devastadores, China, Índia e Rússia assumiram o protagonismo nos socorros, enquanto a resposta dos EUA foi descrita como lenta e insuficiente.
Na África, o repentino esvaziamento dos programas da USAID - o Secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, declarou que eliminou cerca de 83% desses projetos em março - abriu caminho para que China e Rússia reforçassem sua influência por meio de infraestrutura, mídia e empréstimos.
A forma de atuação chinesa busca projetar imagem de parceiro sem condicionamentos ideológicos, promovendo a narrativa de uma cooperação Sul-Sul, evitando impor exigências políticas explícitas ao país ajudado.
Mas, na prática, muitos projetos seguem a lógica do retorno estratégico, tendo como alvos a infraestrutura, tecnologia e o alinhamento com iniciativas como a Nova Rota da Seda, ou a ambição de gerar um estreitamento, ou mesmo dependência nas relações diplomáticas e econômicas.
Essa ofensiva chinesa já foi alvo de alertas de ex-chefes militares norte-americanos, que apontam que o enfraquecimento da USAID é um tiro no pé que fortalece diretamente os rivais americanos ao entregar de bandeja importantes espaços que já estavam na mira da China, Rússia e outros países.
Pequim, mais do que todos, agradece o erro estratégico de Trump e dobra a aposta em reforçar o seu soft power para reconfigurar a seu favor as redes de influência nos continentes em transformação.
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